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"ENCONTRO NACIONAL DE CATIRA"

onde os grupos de catira se apresentam com o objetivo de mostrar essa dança brasileira de influências lusitana, espanhola e africana que misturada as nossas raízes indígenas se transformou nesse legítimo sapateado brasileiro.

Cultura brasileira junto as Manifestações Populares


domingo, 28 de março de 2010

Influências do mundo na música brasileira

Pesquisa em Danças Brasileiras
Rio Claro - São Paulo
(Brasil)

Caroline de Miranda Borges



Resumo
          No imenso território brasileiro as manifestações populares se caracterizam como trágicas no norte, no nordeste dolente e lânguido mais africano, no litoral central um toque de cosmopolitismo e no sul tal como o tango e a rancheira, há um tom mais soberbo e sensual. Porém um ritmo sincopado é constante e característico na música brasileira. Tantas influências vinham e vêm ainda ornar essa raça nascente brasileira. Rara também e muito misturada que desde logo mostrou forte musicalidade e grande propensão a criatividade. Segundo alguns estudiosos, nós brasileiros somos como canários: nascemos músicos. Nossos melhores frutos estão no seio do povo mais simples, sem estudo, sem cultura erudita. A terra Brasil sem a cultura musical do velho mundo cria música nativa que está entre as mais belas e mais ricas do mundo.
          Unitermos: Cultura popular brasileira. Dança brasileira. Manifestações populares. Ritmos brasileiros
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 142 - Marzo de 2010

O objetivo desse artigo é mostrar as possíveis influências musicais do mundo na música brasileira desde os primórdios do descobrimento até os dias de hoje.
    A música na sua essência é composta da arte de combinar ritmo, som e emoções.
    O ritmo é a criação estética que regula as relações de duração dos sons musicais, compreende em ritmo puro ou mecânico que é apenas movimento simétrico que assinala a música-obra. O ritmo também pode ser estético que é a harmoniosa correlação dos fenômenos que despertam a impressão do belo. Essa impressão agradável é na música a ordem dos sons, assim como é na pintura a ordem das cores. Além desses dois tipos de ritmos temos o expressivo, algo indefinível que completa o belo que assinala a música-arte. Ritmo então é mais que uma mera ordem simétrica de movimentos, constitui com a harmonia o fator essencial da música, regulando a sucessão dos tempos do compasso e agrupando seus valores em motivos, frases, períodos, etc. dando finalmente a composição musical o seu caráter intrínseco, para exprimir sentimentos, tais como: instabilidade, agitação, solenidade, lassidão ou quietude.
    Hoje vamos contar a história e descobertas pelo mundo de ritmos e de culturas musicais que influenciaram a música popular brasileira. Nossa música sempre recebeu influência da mídia na disseminação de estilos e sons, que nem sempre estão voltados á qualidade, mas sim ao que é rentável.
    Desde os primórdios anos do descobrimento do Brasil, a tríplice influência das nações africanas, européia e indígena local, nos traz traços marcantes como o afro-indígena herdados dos índios e negros que cujo ritmo criva a linha melódica trêfega com seus incisos breves e pequenos intervalos, a frisante riqueza e singular agrestia do acompanhamento, e sobre tudo a nota de melancolia e languidez das tonalidades. Muito dessas formas musicais continuam vivas nas manifestações populares, tais como na catira ou cateretê, os coloquinhos, congados, maracatus, batuques, jongos, lundus, emboladas, etc. Já a influência européia evidencia-se mais a influência portuguesa e espanhola. De Portugal herdamos os reisados, os pastoris, as cheganças, o bumba-meu-boi, e principalmente a modinha. Já a influência espanhola refletiu-se de forma mais indireta, através dos fandangos, boleros, tangos e outros.
    No imenso território brasileiro as manifestações populares se caracterizam como trágicas no norte, no nordeste dolente e lânguido mais africano, no litoral central um toque de cosmopolitismo e no sul tal como o tango e a rancheira, há um tom mais soberbo e sensual. Porém um ritmo sincopado é constante e característico na música brasileira.
    Tantas influências vinham e vêm ainda ornar essa raça nascente brasileira. Rara também e muito misturada que desde logo mostrou forte musicalidade e grande propensão a criatividade. Segundo alguns estudiosos, nós brasileiros somos como canários: nascemos músicos. Nossos melhores frutos estão no seio do povo mais simples, sem estudo, sem cultura erudita. A terra Brasil sem a cultura musical do velho mundo cria música nativa que está entre as mais belas e mais ricas do mundo.
    Quando nos referimos à qualidade musical, falamos de letra e musicalidade. Uma das raízes musicais do ritmo brasileiro é o blues, oriundos dos cantos e danças africanas trazidas pelos descendentes da arte do GRIOT identificados como trovadores e contadores de histórias. O Blues afro-americano, característico principalmente do sul dos Estados Unidos, de escravos das plantações de algodão que usavam o canto para embalar suas jornadas de trabalho, é evidente tanto em seu ritmo, sensual e vigoroso, quanto na simplicidade de suas poesias que basicamente tratavam de aspectos populares típicos como religião, amor, sexo, traição e trabalho. Porém o conceito de "blues" só se tornou conhecido após o término da guerra civil quando sua essência passou a ser como um meio de descrever o estado de espírito da população afro-americana. Era um modo mais pessoal e melancólico de expressar seus sofrimentos, angústias e tristezas.
    Misturando o som melancólico do blues com a sanfona nordestina embalada pela zabumba, pandeiro e triângulos, descobre-se então uma nova influência dita agora européia. Devido aos bailes promovidos pelos construtores das ferrovias onde todos podiam participar sem distinção de classe social ou raça, homens ou mulheres, segundo estudiosos, a palavra forró quer dizer “For All” isso é, para todos em inglês.
    Há ainda as formas nitidamente autóctones do maxixe que veio a influenciar o samba urbano e rural com acentuadas influências africanas. O maxixe considerado o primeiro tipo de dança urbana brasileira, divulgada com bastante sucesso na Europa no princípio do século XX, resultou da mistura de vários elementos diferentes tais como: a habanera, a polca e o lundu. Essa dança recebeu esse nome em substituição ao “tango” Sua influência vem do final do século XIX e como é citado por estudiosos
“O tango é um pensamento triste que se pode dançar”
    Considerado nome impróprio e de origem platina, mas como o objetivo de levar sua admissão nos salões de onde fora repudiado como imoral, por ser dançado até então por profissionais em cabarés. A fixação e adaptação do maxixe, da sincopa africana ao nosso ritmo popular se deve, a obras em piano e também a peças cantadas de forma ainda mais popular da segunda metade do século XIX, e se impôs até a década de 1920-30, quando esse então cedeu lugar ao samba, a que transmitiu várias características ritmo melódicas.
    O samba é a dança brasileira mais popular de origem batuqueira oriunda dos africanos e cuja área se estende do Maranhão a São Paulo, com modalidades e coreografias diversas identificadas como coco, baião, jongo e alcança sua plenitude rítmica no Rio de Janeiro, onde é cultivado sobre tudo pelas escolas de samba, destacando-se nos períodos do Carnaval – Fevereiro a Março. O carnaval é a maior festa popular brasileira que antecede à Quaresma (festa católica que encena a morte e ressurreição de Cristo), trazidas pelas influências do velho mundo pelos blocos de rua e festas à fantasia e máscaras nos salões deve-se ressaltar a grandes influências dos carnavais de Nice (França), Florença (Itália), Veneza (Itália portuária), Nápoles (Itália Meridional), Colônia (Alemanha) e Nova Orleans (EUA).
    O samba com seus ritmos e coreografias diversas criou-se subdivisões específicas com características intrínsecas e muito diversificadas. Destacam-se:
    No ritmo coco, muito comum nos estados do norte e nordeste brasileiro, os dançarinos formam uma roda, girando e batendo palmas com o acompanhamento de pífaros e percussão. Muito encontrada no litoral e sertões nordestinos, contém influência africana, porém a sua disposição coreográfica coincide com a dos bailados indígenas, especialmente tupis. É comum a roda de homens e mulheres alternados com um solista no centro, dançando até ser substituído por outro, depois de uma umbigada. A dança inclui palmas, sapateados e algumas formas características, como o travessão, cavalo-manco, tropel-repartido e sete-e-meio. Existe uma grande variedade para o coco: coco-do-sertão, coco-de-roda, coco-de-praia. Mas sua coreografia é muito próxima uma da outra.
    No ritmo baião, muito difundida no nordeste brasileiro durante o século XIX, a partir de 1946 assume importância nacional e internacional como dança propriamente, ligada ao épico dos cangaceiros e ao ciclo do couro. É uma dança de pares, executada em todo o interior nordestino, às vezes formando roda, com sapateados, palmas, umbigadas, meneios e estalar de dedos substituindo castanholas influência espanhola, que de forma muito simplificada invadiu os salões e shows pelo país.
    No ritmo jongo ou tambu, dança negra, violenta, com giros e passos deslizantes pertence à família das batucadas e das rodas de samba, é muito difundida no Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo. São famosas nas cerimônias religiosas chamadas de danças de origem africana: os candomblés (Bahia), xangôs (Pernambuco, Alagoas e Paraíba), tambor-de-mina (Maranhão), babaçuçuê (Pará). Nelas os orixás, divindades do fetichismo afro-brasileiro se manifestam por meio dos iniciados, chamados de filhos-de-santo. As cerimônias se iniciam com uma dança geral dos praticantes da magia. O ritmo intenso dos tambores produz crescente amortecimento da consciência que devido aos intensos giros os dançarinos ficam tontos e baixam a excitação nervosa. Repentinamente depois desses intensos giros uma ou outra das filhas-de-santo cai em convulsões. É levada para a camarinha, onde é vestida com o traje característico do santo que conforme relatos dos praticantes é nessa hora o santo “tomou posse dela”. Volta então à sala para dançar. Assim acontece com outros médiuns, homens ou mulheres. A dança se constitui de mímica característica do santo personificado, contorções, movimentos, passos e trejeitos violentos. Mesmo alguns assistentes mais fracos, “caem no santo”. Essas cerimônias têm sido teatralizadas, algumas com fidelidade, como nas realizadas por bailarinos famosos como Katherine Dunham.
    Com a influência espanhola a dança brasileira e seus ritmos seguem um passo mais ligado às características do sapateado, requebros e palmeados.
    Destaca-se a chula nordestina oriunda do antigo lundu: dança lasciva, com sapateios ritmados, incluindo umbigadas africadas e estalar dos dedos ibéricos. No interior de São Paulo, Minas Gerias e Goiás destaca-se o cateretê ou catira com sapateado ritmado, coreografado em fileiras e acrescido de palmeado coordenado, muito rico em diversidade, criatividade e arte. Os bailarinos se preocupam com a agilidade, coordenação e conjunto. Existem grupos com características diversificadas em toda região, alguns mais tradicionalistas, com ritmos mais lentos e tons mais baixos sempre acompanhados da viola caipira. Outros mais ágeis, com coreografias trançadas, pés mais altos como os sapateados irlandeses.
    O carimbó, da Ilha de Marajó é uma dança solista também oriundo do lundu, mas sem acompanhamento de canto. A bailarina executa simplesmente um amplo e sereno rebolar das cadeiras, permanecendo no mesmo lugar ou circulando lentamente num espaço de cerca de dois metros quadrados.
    A dança de São Gonçalo é uma influência típica lusitana, é feita em geral para se pagar uma promessa ao santo protetor das solteironas. Depois de rezada a ladainha em frente a um altar muito enfeitado, se passa a dança dos arcos, de ritmo mais lento. Esses arcos são muito coloridos, enfeitados de flores onde os dançarinos fazem evoluções e desenhos mais elaborados entre si e com os arcos, orientados por um guia ou marcante.
    O Bumba-meu-boi é mais interessante pelo enredo do que pela dança em si. Trata-se de uma série de quadros, com personagens tradicionais, ligados por figuras principais: o boi, o cavalo-marinho, o capitão, arlequim, Mateus, Bastião, calu e outros.
    Termina com a morte e ressurreição do boi, que é a figura central. Essas representações são realizadas no nordeste brasileiro na época do natal sempre mascarados os dançarinos usam trajes grotescos e cômicos e desfilam pelas ruas cantando versos de sátiras picarescas e muito engenhosas.
    Os reisados, também de forte influência lusitana, chamados de ranchos, ternos ou folias de reis usam de trajes coloridos e originais. Festejam o Natal e o Dia de Reis, com cantos e danças de enredos ridos em pequenos atos encadeados ou não. A apresentação é toda cantada e dialogada, sendo a dança episódica. Também faz parte dessa manifestação as chamadas cheganças, danças mais dramáticas, relembrando as guerras de cristãos e mouros.
    Têm origem moura e são dançados em Minas Gerais, São Paulo e Amazônia mais conhecida como: marujos, marujada, barca, fandango, nau-cararineta.
    Os chamados caboclinhos ou cabocolinhos é uma das danças mais interessante dessa região centro-sul brasileira, são grupos fantasiados de indígenas que aparecem durante o carnaval. Executam um bailado ritmado em binário, ao som de pancadas das flechas nos arcos, fingindo ataques e defesas, em evoluções de filas e de rodas, com um solista ou cacique. Os passos são em número reduzido: abaixa e levanta e troca de pés. Pertencem ao pequeno grupo de danças com reminiscências ameríndias tais como caiapós, dança dos pajés, dança dos tapuios, caboclos e tapuiadas, de São Paulo, Minas Gerais e Bahia.
    Os congos são autos brasileiros de origem africana, assim como as congadas de Minas Gerais e São Paulo. O tema essencial é a embaixada enviada pela guerreira rainha Ginga a um potentado negro. As danças imitam lutas, com movimentos de armas e cantigas de excitação. O mesmo modo são os cucumbis baianos. Os reis do Congo são coroados nas igrejas com grande cerimonial, seguido por danças e cantos. Neles há o sincretismo religioso e social comuns a outros itens afro-brasileiros culturais.
    O maracatu é mais um préstito que uma dança, sendo a única dançarina propriamente dita a “Dama do Paço” que conduz um boneco denominado calunga. É um vestígio dos séquitos dos antigos reis do Congo. O grupo tem sempre o nome de Nação e segundo o rei e a rainha vêm príncipes, damas, embaixadores, dançarinas e indígenas com belos e custosos trajes.
    O nordeste brasileiro é a região mais farta em manifestações populares do país. Sua variedade de danças, músicas e tipos humanos é imensa. Uma das danças mais populares e mais rica em coreografia e performance é o frevo.
    O frevo pernambucano é considerado uma das danças mais difíceis e que mais exige preparo físico e alongamento do mundo. A sua variedade de passos característicos, como parafuso, dobradiça, urubu-malandro, folha-seca, chá-de-barriguinha, tesoura, dentre outros... dominados pelos bailarinos que citam mais de 30 passos diferentes. Cada um tem repertório e estilo próprios e a dança é sempre improvisada. Homens e mulheres em verdadeiras multidões movediças dançam nas ruas e salões. Frevo vem de fervura, seu reinado é o carnaval e seu motivo é apenas a alegria de movimentos e de ritmos. É abstrata, harmônica, solista e extremamente ginástica. O rápido andamento (2/4 sincopado) e o intrincado da coreografia tornam-na de difícil execução, fazendo famosos dançarinos, os passistas, que às vezes se munem de um chapéu-de-sol aberto, como instrumento protetor do equilíbrio e de maior beleza para os movimentos. Presta-se admiravelmente à estilização e pode ser ensinado facilmente a bailarinos profissionais, o que não acontece com as outras danças brasileiras, como o samba do morro, por exemplo, em virtude de possuir passos definidos e ritmo bem marcado. Para se dançar o frevo exige o bailarino precisa de um bom preparo físico, coordenação motora, alongamento e muita alegria.
    O samba do morro é derivado do batuque, proveniente de Angola ou Congo. Samba é uma palavra africana para a umbigada. Seus passistas executam um entremeado de pés, em rapidez e agilidade impressionantes. Baseia-se num sapateado em 4 tempos, porém não segue simplesmente o compasso da música, sua variação rítmica é extraordinária, usando contratempos, síncopes, ritmos múltiplos ou alterados. È uma dança que está no sangue e a cadência jamais foi completamente ensinada. Depende mais de gestos característicos e instintivos, do que de passos propriamente ditos. Nisto, muito se aproxima da dança flamenca, igualmente sem leis nem regras, totalmente improvisada e inconsciente. Existem dançarinos, especialmente homens, com tal destreza, que são dignos de admiração mesmo se comparados a bailarinos de alto treinamento profissional em outros tipos de dança. Samba é a marca brasileira.
    Nos dias de hoje, o ritmo brasileiro e suas danças foram invadidas pela globalização.
    O samba canção, derivado da influência americana do rock já nos meados do século XX (1950) encontra terreno fértil junto à juventude brasileira fazendo crescer já nos anos 60, as baladas chamadas “Jovem Guarda”, “Clube do Rock”, “Alô Brotos”, etc. Desde então o ritmo voltado à renovação melódica brasileira foi denominada bossa nova, com o intuito de modificar as estruturas tradicionais do samba e aproveitar alguns ritmos jazzísticos oriundos dos Estados Unidos, mas com influências melódicas européias.
    Na década de 50 ainda, também iniciava a influência do rock no Brasil, com o aparecimento de várias versões de grandes sucessos regravados em português por grandes cantores brasileiros, tornando-se febre nos embalos de “Ritmos para a Juventude” da Rádio Nacional, “Crush e Hi-Fi” da Rede Record, “Clube do Rock” – Rádio Tupi, “Alô Brotos” – TV Tupi e ainda o grande estouro da “Jovem Guarda” – Rede Record, já com uma influência dos Beatles e o estilo iê-iê-iê.
    No final dos anos 60 surge então a tropicália, ao unir o popular, o pop e o experimentalismo estético, as idéias tropicalistas acabaram impulsionando a modernização não só da música, mas da própria cultura nacional. Sincrético e inovador, aberto e incorporador, o tropicalismo misturou rock, bossa nova, samba, rumba, bolero e baião.
    Sua atuação quebrou as rígidas barreiras que permaneciam no País. Pop x Manifestações Populares. Alta cultura x cultura de massas. Tradição x vanguarda. Essa ruptura estratégica aprofundou o contato com formas populares ao mesmo tempo em que assumiu atitudes experimentais para a época.
    Irreverente, a tropicália transformou os critérios de gosto vigentes, não só quanto à música e à política, mas também à moral e ao comportamento,
ao corpo, ao sexo e ao vestuário. A contracultura hippie foi assimilada, com a adoção da moda dos cabelos longos encaracolados e das roupas escandalosamente coloridas.
    Por volta dos anos 70, descobre-se nas festas do norte brasileiro, grande influência danças folclóricas jamaicanas, mais conhecidas como: o ska e o calipso. No estado do Maranhão, principalmente na capital São Luís, é comum a organização de festas ao som de reggae. Esse ritmo trouxe para o Brasil o jeito dançante e suave de se expressar, com a presença da guitarra, contrabaixo e bateria e letras que retratam questões sociais.
    Nos anos 70, a música brasileira sofre grande influência caribenha, com tempero cubano identificado nos bailes festivos da sociedade. O mambo, rumba, bomba, merengue, adentra nossa música influenciando a criação dos ritmos rap e techno. Na rumba o som das maracas faz do ritmo frenético dos ombros uma marcação sincronizada com quadris e passos cruzados de grande alegria. É uma dança cubana em compasso binário e ritmo complexo que influenciou e foi incorporado ao Flamenco. A rumba caracteriza-se por um estilo mais suave e descontraído, de certa forma alegre, e de caráter menos misterioso do que os outros palos flamencos, como seriam o caso da buleria, por exemplo. Em termos da melodia, a escala menor harmônica não é tão utilizada quanto nos outros palos, sendo que geralmente uma escala diatônica predomina e interage em breves momentos com a menor harmônica em suas notas ciganas (o que de certo modo ajuda a manter as características do flamenco nesse estilo diferente).
    Nos anos 80, os grupos de sucesso de músicas ciganas trazem para o cenário brasileiro um ritmo romântico, sofrido e empolgante, estilo esse denominado flamenco, mas que tem raízes mais profundas na cultura musical mourisca, influência de árabes e judeus. A cultura do flamenco é associada principalmente à Andaluzia na Espanha, e tornou-se um dos ícones da música espanhola e até mesmo da cultura espanhola em geral. No Brasil a influência se dissipou pelas academias de dança, grupos profissionais e bailes juvenis com uma dança empolgante e alegre trouxeram a música brasileira um sabor mais descontraído, elegante, muito sensual e misterioso.
    Nos anos 90, com a abertura política dos países árabes e uma maior troca de informações culturais nos deparamos com as danças e músicas orientais, da Índia, Irã, Turquia ricas em movimentos de braços, cabelos, ombros e o acompanhamento de gaita-de-foles e pandeiros. Na música brasileira encontrou grande berço para dançarinas que possuem grande mobilidade de quadris e beleza natural. A dança do ventre difundida pelas novelas e filmes pelo mundo da TV brasileira trouxe junto às famílias mais cultura sobre a Índia e o oriente e as danças dessas regiões, aguçando a curiosidade das crianças e adolescentes em aprender a dançar o dundar da Turquia, danças egípcias, dança do ventre e danças indianas como o Bharatanatyam
    Cultura segundo a pedagogia, ou erudição é, como dizia paradoxalmente alguns estudiosos:
“...é o que resta depois de se ter esquecido o que se aprendeu.”
    ou melhor, é o conhecimento amadurecido dos princípios gerais de bom número de disciplinas. Essa cultura geral ou filosófica pode tornar-se enciclopédica quando abrange o saber humano de certa época. Essa cultura enciclopédica, com o progresso e aumento das especialidades, vão-se tornando cada vez mais raras. Os homens verdadeiramente cultos formam sempre pequena minoria. Adquire-se cultura pelo estudo, pela observação e com o próprio passar dos anos. Há nas democracias, a justa preocupação de elevar o nível cultural das massas populares, dando-lhes ensejo de, por diversos modos, adquirir conhecimentos, em escolas de diversos graus, nas universidades populares, em cursos pelo rádio e cinema educativo e por todos os outros meios de difusão cultural. Alguns desses recursos podem ser utilizados não apenas na difusão cultural, dentro dos centros urbanos, mas também nos meios rurais. Por isso o grande interesse hoje demonstrado por estudiosos pelas culturas tradicionais, que vão de encontro a esses paradigmas de acúmulo de conhecimento universitário ou técnico para um conhecimento mais humano e pessoal. Prova essa que a cultura popular se perpetua pela passagem de conhecimento entre pais e filhos, conhecimento esse que se transfere através da convivência, observação e prática. Não é um tipo de cultura que se pode esquecer, pois não se trata de aprendizagem teórica e sim uma prática cultural.
    A dança no Brasil passa de arte de movimentos plásticos e rítmicos do corpo, expressa muita emoção e idéias de um povo místico, miscigenado e sofrido. Demonstra o poder das raças e da harmonia de instrumentos, cantos e cores. Revela uma alma cheia de sonhos, sensualidade e poesia que combina com a riqueza de nossas tradições e influências trazidas do mundo inteiro.
Referências bibliográficas:
  • ALVARENGA, O. Música Popular Brasileira, Editora Globo, Porto Alegre – RS, 1950
  • ANDRADE, M. Danças Dramáticas do Brasil, Livraria Martins Editora, São Paulo – SP
  • CANDIDO, A. Parceiros do Rio Bonito, Ed. 34, 1989.
  • CASCUDO, L. C. Dicionário do Folclore Brasileiro, Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro – RJ, 1954
  • CORTES J. C. P. & Lessa, L. C. B. Manual de Danças Gaúchas, Irmãos Vitale Editores, São Paulo, 1955
  • DA MATTA, R. Carnavais, Malandros e Heróis, Ed. Zahar, Rio de Janeiro-RJ, 1983.
  • Dicionário Enciclopédico Brasileiro, Editora Globo, Porto Alegre – RS, 1952
  • GOMES, Christianne Luce. Belo Horizonte, Autêntica, 2004.
  • MARTINS, S. A Dança de São Gonçalo. Edições Mantiqueira, Belo Horizonte, 1954
  • RIBEIRO, D. O Povo Brasileiro, A Formação e o Sentido do Brasil, Companhia das letras, 2001.
  • RODRIGUES, W. W. Folclore Coreográfico do Brasil, Publicitan Editora, Rio de Janeiro – RJ
  • SOUZA, M. I. G. MELO, V. A. Dança (in) Dicionário Crítico do Lazer (ORG).

O povo brasileiro e a Catira - Pesquisa e Desenvolvimento Danças Brasileiras

Resumo
          A sociedade e a cultura brasileiras são conformadas como variantes da versão lusitana da tradição civilizatória européia ocidental, diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos e dos negros africanos. Essa unidade étnica não significa, porém, nenhuma uniformidade, mesmo porque atuaram sobre ela três forças diversificadas: a ecológica, a econômica e a imigração que introduziu novos contingentes humanos que permitem distingui-los hoje como sertanejos, caboclos, crioulos, caipiras, gaúchos, ítalo-brasileiros, teuto-brasileiros, nipo-brasileiros, etc.
          Palabras clave: Povo brasileiro. Catira. Grupos indígenas

Nas três vertentes sócio-culturais influentes no povo brasileiro destaca-se:
A Matriz Tupi
    Os grupos indígenas encontrados no litoral pelos portugueses eram principalmente tribos de tronco Tupi que, havendo se instalado uns séculos antes, ainda estavam desalojando antigos ocupantes oriundos de outras matrizes culturais. Eram por volta de um milhão de índios, divididos em dezenas de grupos tribais. Não era pouca gente, porque Portugal naquela época teria a mesma população ou pouco mais.
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    Na escala da evolução cultural, os povos Tupis davam os primeiros passos da revolução agrícola, superando assim a condição paleolítica, tal como ocorrera pela primeira vez há 10 mil anos, com os povos do velho mundo.
    A agricultura lhes assegurava fartura alimentar durante todo o ano e uma grande variedade de matérias-primas, condimentos, venenos e estimulantes. Desse modo, superavam a situação de carência alimentar a que estão sujeitos os povos pré-agrícolas, dependentes da generosidade da natureza tropical, que provê com fartura, frutos, cocos e tubérculos durante uma parte do ano e, na outra, condena a população à penúria.
    Os povos tupis apesar da unidade lingüística e cultural nunca puderam unificar-se numa organização política que lhes permitisse atuar conjugadamente. Sua própria condição evolutiva de povos de nível tribal fazia com que cada unidade étnica, ao crescer, se dividisse em novas entidades autônomas que, afastando-se umas das outras, iam se tornando reciprocamente mais diferenciadas e hostis. Criaram-se confederações regionais que realizavam alianças com Portugueses, Franceses e lutavam contra o domínio dos calvinistas e jesuítas. Esses grupos denominados Tamoios, Tupinambás, Carijós, Goitacás, Aimorés,
    Potiguaras lutavam contra a Reforma ou a favor dela, dominados pelos inimigos vindos do “além-mar”.
    Muitos outros povos indígenas tiveram papel na formação do povo brasileiro e sua cultura, alguns deles como escravos preferenciais, por sua familiaridade com a tecnologia dos paulistas antigos, como os Paresi. Outros, como os Bororo, Xavantes, Kayapó, Kaingang e os Tapuia, inimigos irreconciliáveis, imprestáveis para escravos porque seu sistema adaptativo contrastava demais com os dos povos Tupi.
    Um dos povos que se destacaram foram os Guaikuru, chamados índios cavaleiros, devido a sua constituição física, que eram guerreiros agigantados, muitíssimo bem proporcionados, que segundo Félix de Azara apud Holanda – 1986:
“duvido que haja na Europa povo algum que, em tantos e tantos, possa comparar-se com estes bárbaros”
”Não há imagem mais expressiva de um Hércules pintado” (Sanches Labrador – 1910 – Jesuíta Espanhol)
    O Povo brasileiro influenciado pela Europa extinguiu milhares de povos nativos, com suas línguas e culturas próprias e singulares, para dar nascimento às macro etnias maiores e mais abrangentes que jamais se viu.
    A dança indígena era um ritual largamente usado como forma de religião, poder e entretenimento. A maioria das coreografias era circular com um ritmo marcado pela batida dos pés e cantos. Cada grupo tinha sua dança característica, que registrava a importância da família, o respeito pelos mortos, o poder vindo das entidades ali cultuadas com o objetivo de receberem benções de boa colheita e saúde. Os instrumentos utilizados eram flautas, chocalhos, cuias, etc.
    Na catira um dos passos mais utilizados é o chamado “Serra Abaixo”, esse passo se faz presente com o grupo se deslocando em círculo e com uma batida de pé que marca o compasso da dança e mostra a forte influência indígena no seu bailado.
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A Linha Lusitana
    Com forte influência sócio-econômica, a invasão portuguesa tinha como objetivo juntar todos os homens numa só cristandade, divididas em duas versões, a católica e a protestante.
    Com a destruição das bases da vida social indígena, a negação de todos os seus valores, o despojo, o cativeiro, muitos índios morriam de tristeza, certos de que todo o futuro possível seria a negação mais horrível do passado. Sobre esse povo que caiu a pregação missionária dos jesuítas, que para uma melhor aproximação desenvolviam danças com violas que pelo som encantavam os índios e se aproximavam para um convívio pacífico.
    Os jesuítas trouxeram os santos e as festas dedicadas à adoração hoje muito encontradas nas festas comunitárias de todo Brasil. A catira é uma dança muito apreciada nas festas dos meses de junho e julho onde se destacam os santos católicos: São João, São Pedro e Santo Antonio. Nas manifestações populares a dança da catira ou cateretê em tupi, é um sapateado executado com forte influência da dança portuguesa, tais como:
    Catira_na_escola_Goias.jpgO Vira é uma dança conhecida como tradicional portuguesa considerada uma das mais antigas, populares e características danças tradicionais deste país. Normalmente é dançado por vários pares em roda, evoluindo no sentido anti-horário: rapazes e moças vão alternadamente ao centro da roda, batendo com os pés e com os braços levantados. O nome desta dança vem do verbo "virar", pois são os seus movimentos característicos. Os passos são acompanhados por violões, acordeões e cantos que falam sobre os aspectos da vida do campo e também dos relacionamentos amorosos.
    O Fado é uma dança de pares soltos com formação em fileiras que se defrontam. Duas violas e um pandeiro fazem o acompanhamento musical, enquanto se desenvolve a coreografia: sapateado dos pares nas fileiras iniciais, evolução por fora e depois por dentro, retorno aos lugares primitivos, troca de pares, um a um, nas fileiras opostas e balanceio simultâneo dos demais em seus lugares. O fado também se dança aos pares, semelhante à quadrilha, com palmeados, sapateados e, algumas vezes, batidas de tamancos seguros nas mãos. Compõe-se de três partes: coritiba (roda de pares em caracol), roda-morena (roda de pares, dois a dois) e fado (quadrilha).
Influência Espanhola
    A maior parte da população brasileira no século XIX era composta por negros e mestiços. Para povoar o território, suprir o fim da mão-de-obra escrava, mas também para "branquear" a população e cultura brasileiras, foi incentivada a imigração da Europa para o Brasil durante os séculos XIX e XX.
    A presença espanhola em terras brasileiras acontece desde o início da colonização do Brasil. Porém, só se pode falar de uma efetiva imigração de espanhóis para o Brasil a partir do final do século XIX.
    Na década de 1880, chegaram os primeiros espanhóis no Brasil, sendo 75% com destino às fazendas de café em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia. Imigraram em grande número para o Brasil até 1950, período em que entraram cerca de 700.000 espanhóis no país e eram principalmente oriundos da Galícia e Andaluzia.
    Os maus-tratos contra espanhóis nas fazendas de café e o trabalho semi-escravo fez com que a Espanha passasse a restringir a ida de seus cidadãos para o Brasil. A imigração espanhola foi grande até a década de 1930.
    Os espanhóis introduziram a criação de gado, que rapidamente tornou-se a economia predominante no Rio Grande do Sul. A população se concentrava nos pampas, tendo havido uma fusão de costumes espanhóis, portugueses e indígenas, que deram origem ao tipo regional gaúcho.
    Embora o gaúcho fosse mais português que espanhol, a influência cultural vinda dos países vizinhos tornaram os gaúchos dos pampas bastantes hispanizados, a ponto de falarem um dialeto que misturava elementos espanhóis e portugueses. Nas danças espanholas podemos citar o flamenco, que por suas características de batidas de pé e palmas também vieram por influenciar a catira brasileira.
lundun.JPG    O flamenco é um estilo musical e um tipo de dança fortemente influenciado pela cultura cigana, mas que tem raízes mais profundas na
cultura musical mourisca, influência de árabes e judeus. A cultura do flamenco é associada principalmente à Andaluzia na Espanha, e tornou-se um dos ícones da música espanhola e até mesmo da cultura espanhola em geral. Originalmente, o flamenco consistia apenas de canto sem acompanhamento. Depois começou a ser acompanhado por guitarra (toque), palma e sapateado. Um dos ritmos do flamenco mais rápido é chamado de BULERIA cujo bailarino sapateia em ritmo cadenciado muito próximo a passos do Catira goiano e paulista identificado pelo nome de ROJÃO.
    Outro ritmo do flamenco é o Farruca muito difundido pelo famoso filme “Carmen” onde o bailarino sapateia com as pontas do pé cujos passos são muito lembrados no estilo de catira LUNDUN mais encontrado na região de Minas Gerais.
    Chula é uma dança típica do Rio Grande do Sul com grande influência espanhola e muito parecida com os passos da catira LUNDUN, é dançada em desafio, praticada apenas por homens. Uma vara de madeira denominada lança e medindo cerca de 4 metros de comprimento, é colocada no chão, com dois ou três dançarinos dispostos em suas extremidades. Ao som da gaita gaúcha, os dançarinos executam diferentes sapateados, avançando e recuando sobre a lança. Após cada seqüência realizada, o outro dançarino deverá repeti-la e em seguida realizar uma nova seqüência, geralmente mais complicada que a do seu parceiro.
    Assim, vencerá o dançarino que não perder o ritmo, não encostar na vara ou o que conseguir realizar a seqüência coreográfica dançada como desafio pelo dançarino anterior. Antigamente a chula era usada durante os bailes, onde dois peões queriam dançar com uma mesma prenda, disputando o direito de dançar com esta prenda pelo resto do baile. Hoje essa dança é mostrada apenas de forma cultural durante eventos, rodeios, etc., porém não podendo repetir o passo, sapateado, de seu oponente.
Raízes Africanas
    Os negros do Brasil foram trazidos principalmente da costa ocidental africana, destacando-se em três grandes grupos:
    Primeiro as culturas sudanesas – grupos Yoruba chamados nagô, Dahomey chamados de gegê e Fanti-Ashanti chamados de minas – e outras mais oriundas da Gâmbia, Serra Leoa, Costa da Malagueta e Costa do Marfim. O segundo da região islâmicas: Peuhl, Mandinga, Haussa chamados de malé e alufá. O terceiro grupo vindo das tribos Bantu, do grupo congo-angolês, vindos de Angola e Moçambique.
    Desse último podemos tirar grandes influências na dança da catira da região norte como o uso de instrumentos de percussão e um ritmo muito próximo ao ritmo do “tambor de crioula” dança típica africana muito difundida na região.
    O Tambor de Crioula é uma dança de origem africana praticada por descendentes de negros no Maranhão em louvor a São Benedito, um dos santos mais populares entre os negros. É uma dança alegre, marcada por muito movimento dos brincantes e muita descontração.
    Os motivos que levam os grupos a dançarem o tambor de crioula são variados podendo ser: pagamento de promessa para São Benedito, festa de aniversário, chegada ou despedida de parente ou amigo, comemoração pela vitória de um time de futebol, nascimento de criança, matança de bumba-meu-boi, festa de preto velho ou simples reunião de amigos.
    Na catira do Tocantins podemos ver esses instrumentos feitos artesanalmente com seu ritmo marcante e seus dançarinos coreografados em roda como no tambor de crioula.
    A animação é feita com o canto puxado pelos homens com o acompanhamento das mulheres. Um brincante puxa a toada de levantamento que pode ser uma toada já existente ou improvisada. Em seguida, o coro, integrado pelos instrumentistas e pelas mulheres, acompanha, passando esse canto a compor o refrão para os improvisos que se sucederão. Os temas, puxados livremente em toadas, podem ser classificados como de auto-apresentação, louvação aos santos protetores, sátiras, homenagem às mulheres, desafio de cantadores, fatos do cotidiano e despedida.
    A coreografia da dança apresenta vibrantes formas de expressão corporal, principalmente pelas mulheres que ressaltam, em movimentos coordenados e harmoniosos, cada parte do corpo (cabeça, ombros, braços, cintura, quadris, pernas e pés). As dançantes se apresentam individualmente no interior de uma roda formada por um grupo de vários brincantes, incluindo dirigentes, dançantes, cantadores e tocadores. Da roda, participam também os acompanhantes do tambor. Todos acompanham o ritmo com palmas.
    Toda a marcação dos passos da dança é feita por um conjunto de tambores que os brincantes chamam de parelha. São três tambores nos tamanhos pequeno, médio e grande, feitos de troncos de mangue, pau d'arco, soró ou angelim. Um par de matracas batidas no corpo do tambor grande auxilia na marcação. O tambor pequeno é conhecido como crivador ou pererengue; o médio é chamado de meião, meio ou chamador e o grande recebe, entre os tocadores, os nomes de roncador ou rufador.
    Os tambores são bastante rústicos, feitos manualmente de troncos cortados nos três tamanhos e trabalhados exteriormente com plainas para que a parte superior fique mais larga que a inferior. Internamente, o tronco é trabalhado a fogo com o auxílio de instrumentos de ferro para que fique oco. A cobertura do tambor é feita com o couro de boi, veado, cavalo ou tamanduá. Depois da cobertura, é derramado azeite doce no couro que fica exposto ao sol para enxugar e atingir o "ponto de honra", quando é considerado totalmente pronto. Durante a dança, os tambores são esquentados na fogueira para que tenham afinação perfeita.
    Em 2007, o Tambor de Crioula ganhou o título de Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro.
    A Catira une as influências indígenas, européia e africana desenvolvendo uma espécie de sapateado brasileiro executado com "bate-pé" ao som de palmas e violas. Tanto é exercitado somente por homens, como também por um conjunto de mulheres como na dança indígena. É praticada largamente no interior do Brasil, especialmente nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Tocantins e em menor escala na região nordeste e sul.
    Os homens e mulheres usam trajes comuns de passeio: chapéu, botina, calça comprida, camisa manga longa e gravatas de lenços.
   
O ritmo da dança é marcado por violas, batidas das mãos – palmas - uma contra a outra.
    A Coreografia varia de região para região, sendo Minas Gerais mais tradicionalista e São Paulo e Goiás com influências da linha country americana e é assim apresentada:
Início: o violeiro puxa o rasqueado e os dançadores fazem a "escova", isto é, um rápido bate-pé, bate-mão.
    A seguir o violeiro canta parte da moda, ajudado pelo "segunda" – violeiro que acompanha o cantador - e volta ao "rasqueado".
    Os dançadores entram no bate-pé, bate-mão e dependendo da região pode ser incluídos pulos, transpasses e voltas. 
    Prossegue depois o violeiro o canto da moda, recitando mais uns versos, que são seguidos de bate-pé, bate-mão e pulos.
    Quando encerra a moda, os dançadores após o bate-pé- e bate-mão realizam a figura que se denomina "Serra Acima", na qual rodam uns atrás dos outros, da esquerda para a direita, batendo os pés e depois as mãos.
    Feita a volta completa, os dançadores viram-se e se voltam para trás, realizando o que se denomina "Serra Abaixo", sempre a alternar o bate-pé e o bate-mão. Ao terminar o "Serra Abaixo" cada um deve estar no seu lugar, a fim de executar novamente o bate-pé, o bate-mão.
    Para grupos femininos o ritmo é mais ameno mais atualmente até de salto alto muitos grupos se apresentam com graciosidade e cadência – Goiás.
    Final: encerra-se com o Recortado, no qual as fileiras trocam de lugar e assim também os dançadores, até que o violeiro e seu "segunda" se colocam na extremidade oposta e depois voltam aos seus lugares.
    Durante o recortado, depois do "levante", no qual todos levantam a melodia, cantando em coro, os cantadores entoam quadrinhas em ritmo vivo. Muito comum na região interior de São Paulo e Goiás.
    No final do recortado, os dançadores executam novamente o bate-pé, o bate-mão e pulos dando um ritmo mais acentuado exigindo uma maior coordenação e preparo físico.
    Os ensinamentos são passados de pai pra filho nas festas comunitárias e shows temáticos fazendo perpetuar a cultura e divulgando as raízes influentes na etnia do povo brasileiro.

Caroline de Miranda Borges

Fotos
  • Wosley Torquato da Silva – Uberaba – Minas Gerais – Brasil - 2009
Referências
  • AGUIAR, C.M., Educação, Cultura e Criança, Ed. Papirus, Campinas-SP, 1994.
  • AGUIAR, C.M., Educação, Natureza e Cultura Um Modo de Ensinar, USP, 1998.
  • CANDIDO, A. Parceiros do Rio Bonito, Ed. 34, 1989.
  • DA MATTA, R., Carnavais, Malandros e Heróis, Ed. Zahar, Rio de Janeiro-RJ, 1983.
  • GOMES, Christianne Luce. Belo Horizonte, Autêntica, 2004.
  • RIBEIRO, D., O Povo Brasileiro, A Formação e o Sentido do Brasil, Companhia das letras, 2001.
  • SOUZA, M. I. G. MELO, V. A. Dança (in) Dicionário Crítico do Lazer (ORG).
  • VEBLEN, THORSTEIN, A Teoria da Classe Ociosa, Editor Vitor Civita, 1983.

Uma abordagem sumária de Parceiros do Rio Bonito. A história do Caipira Paulista

Caroline de Miranda Borges

Lazer e Educação, Natureza e Cultura
Departamento de Pós Graduação da Educação Física
UNESP – Rio Claro – SP
(Brasil)

Resumo
          O livro de Antonio Candido trata da descrição das mudanças da vida do caipira diante da expansão econômica capitalista, que causa grande impacto, provocando uma crise e obrigando-o à elaboração de um novo "ajuste ecológico". 
          Pressionada pela modernização, a cultura caipira "caminha para o fim inevitável" mas é ainda capaz de criar "formas de resistência" e para compreender o presente exige a investigação do passado.
          A dimensão econômica cresceu de tal forma a desequilibrar a situação anterior,  que o caipira é forçado a multiplicar o esforço físico, mas tende a atrofiar as formas coletivas de organização do trabalho, cortando as possibilidades de uma sociabilidade mais viva e de uma cultura mais harmônica. O trabalhador é projetado do âmbito comunitário para a esfera de influência economia regional, individualizando-se. Há então a necessidade da renúncia aos padrões anteriores e a aceitação plena do trabalho controlado.
          A industrialização, a diferenciação agrícola, a extensão do crédito, a abertura do mercado interno ocasionaram uma nova e mais profunda revolução na estrutura social de São Paulo.  Graças aos recursos modernos de comunicação, ao aumento da densidade demográfica e à generalização das necessidades complementares, acham-se agora frente a frente homens do campo e da cidade, sitiantes e fazendeiros, assalariados agrícolas e operários – bruscamente reaproximados o espaço geográfico e social, participando de um universo que desvenda dolorosamente as discrepâncias econômicas e culturais. Nesse diálogo, em que se empenham todas as vozes, a mais fraca e menos ouvida é certamente a do caipira que permanece no seu torrão.
Em momentos como o nosso em que vemos a possibilidade de ação sobre a Natureza e a Sociedade aumentarem em número e eficiência, podemos realmente compreender, segundo Marx, que “a cidade resulta da concentração de população, dos instrumentos de produção, do capital, dos gozos, das necessidades, enquanto o campo mostra justamente o caso contrário, o isolamento e a separação. A oposição  entre campo e cidade só pode existir no quadro da propriedade privada. É a expressão mais grosseira da subordinação do indivíduo à divisão do trabalho e a uma determinada atividade que lhe é imposta. Subordinação que faz de um, um animal limitado da cidade; de outro, um animal limitado do campo, reproduzindo cada dia o conflito dos seus interesses.” 
          Seu livro contém uma proposta política: recuperar a voz dos "marginalizados da colonização" e defender a inclusão do caipira num mundo que se moderniza por meio da reforma agrária.
          Unitermos: Caipira. Rio Bonito. Antonio Cândido. Cultura brasileira. Manifestação popular. Ajuste ecológico. São Paulo. Paulista.

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 126 - Noviembre de 2008

O livro de Antonio Candido trata da descrição das mudanças da vida do caipira diante da expansão econômica capitalista, que causa grande impacto, provocando uma crise e obrigando-o à elaboração de um novo "ajuste ecológico".
    Pressionada pela modernização, a cultura caipira "caminha para o fim inevitável" mas é ainda capaz de criar "formas de resistência" e para compreender o presente exige a investigação do passado.
    A antropologia, a História e a Sociologia convergem para um mesmo tema, o processo de formação da sociedade nacional. Executar tal combinação permite-lhe recusar a definição mais tradicional de "comunidade" e propor, no seu lugar, o conceito de "bairro”.
    O livro é dividido em três partes.
  • A primeira trata-se da reconstrução histórica da sociedade caipira que trata das relações sociais básicas e os meios elementares de subsistência.
  • A segunda mais antropológica que descreve técnicas de lida da terra, festas religiosas, dieta dos parceiros de Bofete – interior de SP.
  • A terceira com um contexto mais sociológico analisa como o crescimento da economia capitalista e sua influência destrutiva à cultura tradicional caipira.
    O livro é uma pesquisa iniciada em 1947 e se adentrando até 1954, abrangendo os municípios de Piracicaba, Tietê, Porto Feliz, Conchas, Anhembi, Botucatu e na maior parte em Bofete, esse trabalho foi apresentado como tese de doutorado em Ciências Sociais à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.
    Na Introdução nos deparamos com conceitos oriundos das situações de mudança das sociedades civilizadas, os mínimos vitais e sociais, nos mostra a importância do estudo da alimentação e com ela a cadeia que gera as relações humanas no grupo.
Iª parte. A vida caipira tradicional
1.     Rusticidade e economia fechada
    O propósito desse livro é analisar os aspectos referentes à obtenção dos meios de vida e até que ponto se enquadra nas situações sócio-culturais mínimas. A sociedade caipira tradicional elaborou técnicas que permitiram estabilizar as relações do grupo com o meio, mediante o conhecimento dos recursos naturais, a sua exploração sistemática e o estabelecimento de uma dieta compatível com o mínimo vital, uma relação social tipo fechada e com base na economia de subsistência.
    CASA do caipira – chamada de rancho (pouso), é um abrigo de palha, sobre paredes de pau-a-pique ou varas não barreadas levemente pousado no solo. Algumas infestadas de baratas, miseráveis choupanas de um andar, o chão não é pavimentado nem assoalhado.
    Um traço extremo de rusticidade do caipira, sita o autor:
... um velho morador do bairro referia ao dito do seu avô, segundo o qual uma árvore com sombra era o bastante para um homem morar.
    A esta rudeza correspondiam técnicas e usos igualmente rudimentares. A “gente do sítio” fazia tudo e raramente ia ao comércio só para comprar sal. Não havia muitos negócios, cada um consumia o seu produto e até sobrava mantimento que “não tinha preço”.
    Faziam fios de algodão que transformavam em pano para confecção de roupas.
    Trançavam-se chapéus de junco, que duravam 2 anos.
    Andavam geralmente descalços e o único calçado era a precata (alpargata), feita igualmente em casa.
    Os utensílios eram na maioria feitos em casa: gamela de raiz de figueira, vasilha e prato de prorungaetê, cuia de beber, pote de barro, colher de pau, etc...
    A pólvora para armas era feita de mato crindiúva, que se deixava secar, enterrava e queimava resultando em um carvão fino, misturado com salitre e enxofre, passava-se pelo pilão e peneira, pois quanto mais fino melhor.
    As balas era de chumbo derretido e derramado em buracos abertos no chão duro, do tamanho desejado; o resfriamento e solidificação eram rápidos.
    Iluminação era feita com candeeiros de barro, com banha de porco ou azeite de mamona e torcida de algodão.
    O açúcar era de rapadura feito em moendas manuais de madeira e fornos de barro, com formas ou tachos de lata e cobre.
    Segundo Saint-Hilaire, naturalista francês que veio para o Brasil em 1816 com o objetivo de estudar a flora brasileira, dizia do caipira paulista:
   “...ser muito rústico, primitivo, brutal, macambúzio e desprovido de civilidade.A mistura de branco e índio, dominante no paulista, é fator de inferioridade, dando produtos muito piores que os de branco e negro.”
    Para o caipira, a agricultura extensiva, itinerante, foi um recurso para estabelecer o equilíbrio ecológico: recurso para ajustar as necessidades de sobrevivência à falta de técnicas capazes de proporcionar rendimento maior a terra.
2.     Alimentação e recursos alimentares
    O caipira paulista se nutria como quem se contenta com o mínimo para não demorar as interrupções da jornada.
    Esse mínimo alimentar corresponde ao mínimo vital, e a um mínimo social: suficiente para sustentar a vida, organização social limitada à sobrevivência do grupo.
    A economia no tempo dos bandeirantes era voltada a atividades nômades, à presa, à coleta. Já a do caipira seu descendente, era uma economia fechada, de subsistência, ligada à agricultura itinerante, à coleta, à caça e à pesca.Ajustava-se a técnica dos índios, estreitando laços com a terra, favorecendo a mobilidade, penetrando nas formas de equilíbrio ecológico. Daí nesse mameluco de corpo e alma, existe esse certo apego aos alimentos da terra.
    O feijão, o milho e a mandioca, plantas indígenas, constituem o seu triângulo básico alimentar vindo a mandioca ser substituída mais tarde pelo arroz.
    Já o leite, o trigo, a carne de vaca eram indicadores de situação social acima da média.
    Técnicas de caça foram herdadas dos índios, conhecimento minucioso dos hábitos dos animais, técnicas precisas de captura e morte.
3.     Os tipos de povoamento
    Destaca-se alguns tipos de moradores:
    Morador transitório – que pode ser:
  • o cultivador nômade geralmente fugitivo de autoridades com interesse de se isolar e que não tem título da terra.
  • o agregado que tem permissão do proprietário para morar e lavrar a terra, sem pagamento, salvo alguma prestação de serviço.
  • O posseiro que não tem permissão e freqüentemente ignora a situação legal da terra que ocupa.
    Sitiante ou fazendeiro – é o dono da terra.
    Sesmaria – fazenda de grande extensão – concessão de terra a quem requeresse legalmente, com a condição de lavra-la dentro de seis meses.
    A estrutura fundamental da sociabilidade caipira, são os chamados “bairros” agrupamento de algumas famílias, vinculadas ao sentimento de localidade, pela convivência, pelas práticas de auxílio mútuo e atividades lúdicos religiosas.
4.     As formas de solidariedade
    A necessidade de ajuda, imposta pela técnica agrícola e a sua retribuição automática, determinava a formação duma rede ampla de relações, ligando uns aos outros e contribuindo para a sua unidade estrutural e funcional.
    Usa-se também a ajuda denominada “mutirão” – segundo o caipira é um gesto de amizade e não uma prestação de socorro.
    A cultura caipira se desenvolveu e conservou na base dos agrupamentos rurais mais ou menos autárquicos, onde aparecem, em toda a sua rusticidade equilibrada, aqueles mínimos de vida e sociabilidade cuja manifestação se vê nesse livro.
5.     O Caipira e a sua cultura
    O caipira descendente de branco com índio, caboclo, não se adaptou as formas mais produtivas e exaustivas de trabalho. Era caçador subnutrido, senhor do seu destino graças à independência precária da miséria, refugou o enquadramento do salário e do patrão, os moldes traçados pelo trabalho serviu não lhe cabiam. Não lhe era atrativo o papel de escravo ou colono.
    A cultura do caipira não foi feita para o progresso, a sua mudança é o seu fim, porque está baseada em tipos tão precários de ajustamento ecológico e social que até o corte de uma árvore leva-o a deixar de sentir prazer em viver. (pág. 108)
    Sua cultura se caracteriza pelo isolamento, posse de terras, trabalho doméstico, auxílio vicinal, disponibilidade de terras, margem de lazer.
    A posse, ou ocupação da terra, pesou na vida social e cultural do caipira paulista, foi empurrado para as áreas despovoadas do sertão, onde se defrontava com riscos da destruição física ou na ausência de leis sociais. Uma das causas dessa anomia social era a preguiça, que seria um traço fundamental do caipira e responsável pelo seu baixo nível de vida. Baseado nessa idéia foi criado por Monteiro Lobato o personagem Jeca Tatu. Esse fenômeno de não adaptação ao trabalho intenso e contínuo exigido nas grandes plantações trazidas pelo desenvolvimento econômico, não deve ser considerado vadiagem, mas sim desnecessidade de trabalhar. Pois o caipira vivia com pouco, somente o necessário e não se adaptava em produzir além das suas necessidades.
IIª parte. A situação presente
6.     Um município marginal
    Bofete fica no centro sul do estado de São Paulo, cercada pelos municípios de Botucatu, Itatinga, Angatuba, Guareí, Porangaba, Conchas e Anhembi onde foi realizada essa pesquisa.
    A evolução social paulista é marcada pelo desenvolvimento de formas renovadas de associação humana e de mudança cultural, devido ao aparecimento dos latifúndios a mão de obra passou a ser mais exigida e regulada, A cultura caipira se concentrou nas áreas onde ainda não existiam esse tipo de ocupação da terra, para ele o regime de trabalho e a situação legal da terra não era o mais importante,
    Nesse capítulo o autor faz um levantamento histórico-econômico do município de Bofete e região, comparando seu crescimento econômico com a influência do café e o crescimento urbano do município. Apresenta também a migração do campo para a cidade e do campo para outras regiões tais como Sorocaba e até Paraná.
    Aparecem já em 1954 os rádios, as geladeiras nos bares da cidade, postos de saúde, prédios na vila, abastecimento de água e luz elétrica e aumento do número de escolas.
7.     População rural e parceria
    Em 1953 as propriedades rurais se dividiam em pequenas, médias e grandes sendo as pequenas em maior número ocupando 16% da superfície total e as grandes em menor número mas ocupando 57% do total da área rural.
    Os proprietários de fazendas e sítios devido à decadência do café passaram a arrendar suas terras e a trabalhar como parceria, que é uma sociedade, pela qual o fazendeiro fornece a terra, ficando com o direito sobre parte dos produtos obtidos pelo arrendatário ou parceiro. O fazendeiro concedia moradia durante o período de parceria.
    Em Bofete preponderava a meação, vindo em seguida a sociedade a 20%.
    Algumas fazendas eram tocadas em regime de colonato, cuja obrigação do colono ou parceiro consiste em plantar e tratar da planta do fazendeiro até 3 a 4 anos e é livre para efetuar plantações intercaladas para si próprio.
    A influência de imigrantes nas relações sócio-econômicas de Bofete era maior em 1920 que em 1940, a maior predominância na região era de italianos e brasileiros velhos. O caipira da região era branco, freqüentemente louro. Tinha-se notícias de poucos mulatos, pouquíssimos negros.
8.     Os trabalhos e os dias
    A pesquisa nesse capítulo é focada nas transformações econômicas, técnicas e culturais ocorridas em uma grande fazenda da região, observando as grandes mudanças sofridas na vida tradicional do caipira.
    Em 1918 deixou de ser fazenda administrada pelo proprietário explorador de atividade agrícola ou pecuária para se tornar um conjunto de glebas dadas em parceria, sob a vigilância do proprietário (de longe).
    Glebas – terrenos próprios para cultura sob responsabilidade de outros
    Não se encontram pretos e portugueses somente caipiras aforantes,
    Sobre as ruínas do latifúndio, na ausência de liderança econômica, a cultura tradicional se refez como cicatriz, restabelecendo-se o ritmo interrompido do caipira. A fazenda se tornou quase um bairro no sentido social da palavra.
    A antiga fazenda se dividiu em dois bairros – ou núcleos, são eles: Morro com 17 casas e o da Baixada com 11 casas.
    Casa do caipira – dividida em quatro peças de parede a meia altura e sem forro. As atividades domésticas e a do conforto pessoal se processa no exterior da casa, A higiene e excreções pessoais eram feitas na parte de fora da casa, requerendo a bica d’ água que descia por tábuas que permitiam também a lavagem de roupas, utensílios, banho...
    Os apêndices da casa era o forno de barro coberto com sapé, chiqueiros, chocadeiras, moenda manual, pilão de pé, horta, pomar esses indicavam uma maior estabilidade econômica encontrada mais nos parceiros ou sitiantes que cuidam da roçada, aceito, queimada, aração, plantio, limpeza, colheita. ( 20% da produção fica para o proprietário da terra).
    Para o caipira não passava da casa com a bica de uso comunitário revelando a penúria e a dependência em relação aos vizinhos.
    A vida se pautava na agricultura de semi-subsistência e as plantações eram de feijão, arroz e milho, as vezes mandioca, amendoim e algodão quando o preço no mercado estava bom.
    A extensão da área cultivada por cada parceiro dependia do número de braços com que podia contar, daí a importância da família numerosa e a criança ajudava já logo depois que passava pela puberdade e a conta era a seguinte:
    Capacidade de obtenção de área cultivada:
  • 1 homem toca 1 alqueire de milho, ¼ de alqueire de feijão e ¼ de alqueire de arroz.
    Se ele plantar apenas um dos produtos acima:
  • Milho – 3 alqueires
  • Feijão – 2 alqueires
  • Arroz – ½ alqueire
  • Batatinha – 1 alqueire
  • Algodão – ½ alqueire
    Nesse cálculo pode variar um pouco se considerar fatores pessoais tais como: assiduidade, disposição, capricho.
    No ciclo de plantação até a colheita usa-se machado, foice, arado, cavadeira e enxada.
    A contagem de tempo para o caipira é diferente do trabalhador urbano, o parceiro deve obedecer um ritmo de trabalho, em unidades de tempo que são dia, semana e ano agrícola orientando-se do ciclo germinativo da plantação. Para o operário urbano, já possui como referência temporal a jornada fixa, a hora e minutos que mostram um rendimento fixo imediato do esforço e dos elementos temporais em que se decompõe uma operação.
    Para o colono o mês é a unidade fundamental que regula o recebimento do dinheiro, mas para o caipira não, as contas se fecham a cada término do ano agrícola e para eles 30 dias não significam nada.
    O ritmo da vida do caipira é determinado pelo dia que delimita a alternativa de esforço e repouso e pela semana que é medida pela revolução da lua que indica a suspensão da faina por 24 horas, regula a ocorrência das festas e o contato com as povoações e pelo ano que contém a evolução das sementes e das plantas.
    O caipira desperta às 5 horas, lava o rosto, faz a primeira refeição e dá ração de milho às criações. Vai para o local de trabalho, longe de casa geralmente distante 200 a 1000 metros. Trabalha até o pôr-do-sol, jornada de 12 horas no verão e de 10 no inverno, interrompida às 8:30 para o almoço de ½ hora e ao meio dia para merenda com parada de 1 hora para também o repouso. Volta pra casa dá milho às criações, lava as mãos, o rosto, os pés e janta das 19 em diante. Às 22 horas todos estão dormindo e a maioria se deita logo após as 20 horas.
    A semana tem papel marcante no lazer, na recreação, nos contatos sociais e nas relações comerciais do caipira. O parceiro e sitiante, nos períodos de menos trabalho, dispõe do sábado e do domingo para ir ao povoado, para fazer compras, transações, passeios. Nestes dias têm lugar as festas, nas capelas ou nas casas, as visitas de bairro a bairro, as recreações locais tais como jogo de malha, caça e pesca.
    Para o caipira o ano começa em agosto preparando a terra para o plantio, planta-se de outubro e colhe-se em maio e termina em julho com as últimas operações de colheita. Nesse local estudado não existem a lavoura de julho – café e a cana-de-açúcar.
    Nessa divisão segundo o ritmo agrário temos a festa de São João – 24 de junho que encerra o ano agrícola e a 16 de agosto – festa de São Roque que reabre o ano agrícola.
    Mutirão – na cultura caipira tem atitude positiva dos mais velhos e negativa dos moços.
    Vizinhos imediatos e parentes, sitiantes e parceiros autônomos – positiva
    Parceiros-empreiteiros e empreiteiros - negativos
    Nota-se o enfraquecimento do tipo de solidariedade própria ao mutirão pelos padrões atuais, antes ofereciam festas com comida para os ajudantes, hoje os ajudantes já levam a sua própria comida devido a incerteza que denota a crise dos padrões atuais.
9.     A dieta
    Pela manhã toma café simples, pó fervido com garapa e pó de café que varia conforme as posses de cada um, as vezes bebe só água fervida com garapa.
    Almoço e merenda – panela de +/- 1 litro com a colher amarrada sobre a tampa e envolta num embornal de algodão. 1 garrafa de café ou água com garapa fria.
    8:30 as 9:00 – almoço e as 12:00 – merenda
    Jantar – 19:00
    Sua dieta se baseia em arroz, feijão, farinha e carne de caça, ou porco ou carne seca ou frango e café todos os dias.
    Também pode-se dizer do uso da manjuba (peixe seco), macarrão e pinga (1 garrafa de 15 em 15 dias).
    Verduras – couve e alface as vezes repolho, serralha e beldroega.
    Padrão culinário indica o abuso do uso de banha de porco, usada também para conservar alimentos.
10.     Obtenção dos alimentos
    A situação alimentar do caipira paulista empobreceu, nota-se o desaparecimento da farinha de mandioca, da carne de caça, a farinha de trigo.
    Antes eles mesmos, dentro de uma economia fechada, produziam seus próprios alimentos, hoje dependem da produtividade da terra, vivem em função do dinheiro que conseguem com o fruto do seu trabalho e das razões econômicas do mundo capitalista.
    O caipira passou a ser dependente do mundo exterior, não fabrica mais o açúcar, não limpa mais o seu arroz, não faz a sua farinha, com isso perde-se a transferência de elementos culturais que caracterizam a sociedade caipira na sua adaptação ao meio.
“Etiqueta do caipira”
  • Todo alimento deve ser oferecido e nenhum aceito sem negativa prévia.
  • Nada é mais impolido que demonstrar cobiça por alimento alheio
  • Pode-se numa refeição aceitar arroz e feijão mas carne jamais.
  • A comida é sempre considerada indigna por quem oferece e de raro paladar por quem aceita.
  • Quando se mata uma caça, envia-se um pedaço a cada vizinho, ficará mal visto quem se mostrar parcimonioso em proveito próprio, as vezes não sobra quase nada para o ofertante.
    Qualquer infração destes padrões acarreta ressentimentos profundos e duradouros.
11.     Valor nutritivo da dieta
    A dieta do caipira era mal equilibrada, deficiente devido a situação de ampla carência que atinge todos os setores de sua vida. Para conseguir a estreita margem de lucro que lhe permitisse sobreviver, o caipira se viu na obrigação de reduzir drasticamente a satisfação das necessidades, e tinha estritamente o necessário para não passar fome.
    Ao lado desta necessidade constante, desenvolveu-se a fome psíquica, o desejo permanente das misturas queridas: carne, pão, leite. Isso é grave, pois a desejabilidade do alimento constitui fator ponderável no seu aproveitamento orgânico e que semelhante privação pode dar lugar a insatisfações psíquicas que levam a turbulências orgânicas e a embriaguez.
IIIª parte. Análise da mudança
    Na primeira parte, a cultura caipira foi apresentada em função dos níveis mínimos, mas organicamente entrosados, de subsistência e vida social, exprimindo um tipo de economia semifechada – auto-suficiente. Esta foi caracterizada pela estrutura dos agrupamentos de vizinhança e o equilíbrio instável com o meio, obtido por técnica rudimentar.
    Na segunda parte, houve uma mudança, passa-se de uma economia semifechada para uma economia capitalista, manifestando sintomas de crise social e cultural.
    Fatos persistência – equipamentos e formas sociais que estabelecem continuidade entre sucessivas etapas do processo de transformação.
    Fatos alteração – formações novas, geradas no seio do grupo, ou nele incorporadas por difusão ou reajuste do seu funcionamento.
12.     Relações de trabalho e comércio
    A marcha da urbanização está ligada ao progresso industrial e conseqüente abertura de mercados, daí a penetração em áreas rurais e de bens de consumo até então desconhecidos. Surge então para o caipira necessidades novas, que ajudam a intensificar vínculos e relações sociais, destruindo a sua autonomia e ligando-o ao ritmo da economia geral ligada a região, ao estado e ao país, em contraste com a economia particular, centralizada pela vida de bairro e baseada na subsistência que antes ele tinha.
    Com isso o caipira passa a ser atingido pelos preços de mercado dos produtos agrícolas afetando o equilíbrio da sua economia doméstica. Vê-se então a necessidade de se fazer um orçamento doméstico, mesmo que virtual, fase a ausência de dinheiro e o incapacidade de compra e venda.
    Hoje a dimensão econômica cresceu de tal forma a desequilibrar a situação anterior, que o caipira é forçado a multiplicar o esforço físico, mas tende a atrofiar as formas coletivas de organização do trabalho, cortando as possibilidades de uma sociabilidade mais viva e de uma cultura mais harmônica. O trabalhador é projetado do âmbito comunitário para a esfera de influência economia regional, individualizando-se. Há então a necessidade da renúncia aos padrões anteriores e a aceitação plena do trabalho controlado.
    Com isso distingui-se 3 modalidades de indivíduos: os que procuram se enquadrar as novas condições, os que se apegam a vida tradicional conciliando as exigências atuais da vida capitalista e os que são totalmente incapazes de se ajustar.
  1. Lavrador Nhô Quim: Ébrio regenerado, não guarda dia santo, não passeia, não vai a festas, não participa de quaisquer práticas religiosas, trabalha rijo com auxílio dos seus, possui melhor condições financeiras entre os parceiros além de ter o plantio de subsistência, dedica-se a cultura de amendoim, algodão e formação de cafeeiros.
  2. Nhô Bicudo e filho Vico: vida religiosa aplicada (pai capelão), guardam domingos e dias santos, participam de festas mensais da igreja. Esse apego à tradição para o mundo capitalista faz perder um tempo precioso e redunda em prejuízo, por isso vivem constantemente apertados.
  3. Irmãos Gázio, Maximiano e Joveliano: filhos de caipira “atrasado”, andejo, caçador infatigável, perfeito conhecedor do meio físico circundante, familiarizado com os cantos mais recônditos do campo ou da mata. Os filhos perderam a atividade venatória, mas guardam certo amor pela coleta e a incapacidade para trabalho sistemático. Plantam uma rocinha mínima de feijão e milho, que dariam para se equilibrar nas condições antigas, quando não era requerido excedente de consumo para construção do orçamento familiar. São obrigados a ter um mínimo de dinheiro para necessidades de vestuário e complementação da dieta (sal, açúcar e café), sacrificam parte da colheita, vendem bananas na vila, trocam alguns ovos no bairro e vivem na mais completa miséria. Levam as bananas nas costas para vender na vila a 5 cruzeiros o cento, como não consegue transportar mais que dois centos por vez, légua e meia, cada viagem rendia no máximo 10 cruzeiros. O tempo e o trabalho despendidos renderiam mais, plicados à lavoura. No entanto, ambos são inadaptáveis às situações que requerem um mínimo de disciplina e racionalização da atividade.
    Nota-se que para evitar a fome e a miséria o caipira foi levado a renunciar o estilo tradicional de vida e absorveu as tarefas econômicas, seja como indivíduo ou como família, para poder desse modo manter um equilíbrio ecológico mínimo que prepara o mesmo para uma integração em um novo sistema social aberto e amplo passando a ser um assalariado rural ou urbano.
13.     Ajuste ecológico
    A alteração do ritmo de trabalho provocaram alterações sensíveis no conhecimento e aproveitamento dos recursos naturais e interviram no equilíbrio ecológico modificando as relações do grupo com o meio.
    O caipira tinha uma estreita ligação das suas representações religiosas com a vida agrícola, a caça, a pesca e a coleta, e ambas com a literatura oral. Basta observar as práticas de magia simpática, para obter êxito na colheita e na caça, para afastar ou curar males – numa mistura de reza, mezinha, talismã, onde a erva do campo se associa ao pêlo de bicho e à jaculatória, onde o bentinho se prende ao mesmo fio que o dente de quati ou a unha de gato.
    Magia, medicina simpática, invocação divina, exploração da fauna e da flora, conhecimentos agrícolas fundem-se deste modo num sistema que abrange, na mesma continuidade, o campo, a mata, a semente, o ar, o bicho, a água e o próprio céu. Regido pela economia de subsistência e encerrando num quadro de agrupamentos vicinais, o caipira aparece como segmento de um vasto meio, ao mesmo tempo natural, social e sobrenatural.
    Esta familiaridade do homem com a Natureza vai sendo atenuada, à medida que os recursos técnicos começam a fazer parte da sua rotina. O meio artificial, elaborado pela cultura capitalista destrói as afinidades entre homem e animal e entre homem e vegetal. Mas em compensação dá lugar à iniciativa criadora e a formas associativas mais ricas, abrindo caminho a civilização que é a humanização.
    O equilíbrio ecológico e social do caipira se estabeleceu segundo a disponibilidade de caça, pesca, coleta e qualidade da terra, quando um determinado meio se exauria ele corrigia esse desequilíbrio recorrendo a mobilidade. Atualmente a mobilidade se limita pelo sistema de propriedade e pela densidade demográfica.
    Nesta etapa de expansão das relações sócio-comerciais surgem as vendas nos bairros, que eram lojas onde se podiam comprar de tudo um pouco, secos e molhados, fazendas, armarinhos e ferragens. Seus proprietários, geralmente sírios, passaram pela faze de mascates, vendeiros de bairros, lojistas da vila e hoje comerciantes em cidades maiores.
14.     Técnicas, usos e crenças
    Antigamente, a dimensão lúdica era uma das vigas da cultura caipira, favorecida pelo lazer e a vida social fechada. Hoje, ela vai sendo obliterada pelo ritmo de trabalho, a apertura de uma economia dependente e a diminuição dos incentivos de outrora.
    Nota-se a diminuição da indústria doméstica, não se vê mais as gamelas de raiz de figueira, as vasilhas de porunga, os potes de barro, as colheres de pau, chapéus e peneiras de palha. Foram substituídos pelas vasilhas de folha-de-flandres, ferro, ágata, alumínio, louças, plásticos e tecidos sintéticos agora tudo ou quase tudo é comprado. Passa a existir então a necessidade de compra criando um certo prestígio social, ao que tem acesso e desenvolve melhor as novas tecnologias ofertadas no mundo capitalista.
    Não se encontra mais os monjolos d´água, prensas e pilões de pé usados na fabricação de farinha de mandioca, limpeza do arroz e quebra do milho.
    O abastecimento regular de carne de vaca fez desaparecer a necessidade de caça, atrofiando a tecnologia venatória. (voltada a caça)
    Um exemplo forte é o fumo, antes cultivado na horta, colhido, seco e armazenado para o gasto. O caipira, além de desprezar o fumo de rolo vendido nas vendas, passou a preferir os cigarros de fábrica. Com isso vemos além da substituição do traço cultural, não apenas pela mudança do ritmo de trabalho e perda de habilidade técnica, mas também por influxo da relativa importância conferida pela adoção do novo traço. Elemento que agora denota um certo prestígio social.
    Com isso também se perde informações no domínio misto da terapêutica nas bases mágico-religiosas. As receitas de medicina caseira, tais como:
  • Sedativo para tosse: xarope de flor de abacate.
  • Antiofídico: pimenta cumari
  • Purgativo: raiz-preta
  • Cólicas e fraqueza do estômago: casca de anta
  • Feridas e hemorragias: barbatimão
  • Asma e ataques: perobinha
    Também encontrava-se quatro níveis de terapêutica caipira, vinculada a dependência ecológica:
  • Benzedores e benzedeiras: usavam remédios vegetais, rezas voltadas não só à saúde mas a vários problemas da vida cotidiana. Por exemplo necessidade de chuva ou de estiagem.
  • Curadores: curas milagrosas feitas com reza e água benta do rio. Não aceitavam dinheiro mas presentes em espécie.
  • Farmacêutico: na falta do médico atendia os chamados, indicava remédios, aplicava injeções e conforme o caso encaminhava a um outro centro maior.
  • Santa Casa: última instância terapêutica.
    Geralmente misturavam-se os 4 níveis de terapia e na realidade nunca se sabia ao certo a validade do ato de cada um.
15.     Posição e relações sociais
    Inicialmente não existia diferenciação de papéis nos critérios para definir posição social do caipira paulista. A incorporação à economia capitalista altera essa estrutura tradicional e possibilita o aparecimento do elemento assalariado (operário industrial, pedreiro, comerciante, carpinteiro, motorista, funcionário público, mascate, comerciário, mecânico, tintureiro) perante o caipira resistente (lavradores) que não abandonaram a agricultura e nem sua área de origem.
    Com a vinda do caipira para os grandes centros, os fazendeiros latifundiários ficaram sem mão-de-obra e a parceria passou a representar estabilidade no campo, colocando o caipira entre a posição de proprietário, posseiro ou assalariado agrícola, parecendo, muitas vezes para ele como uma única solução de permanência no campo.
    Nota-se a relativa explosão da sociabilidade concentrada dos velhos grupos vicinais, dando lugar a relações constantes com outros bairros, com a vila, não raro com as cidades, e portanto, as novas e mais amplas formas de interação e experiência social.
16.     Representações mentais
    A essa nova condição econômica, definindo níveis sociais diferenciados, devem por certo corresponder traços de mentalidade e afetividade. Averiguando essas informações nota-se junto ao caipira um certo sentimento saudosista e transfigurador, uma verdadeira utopia retrospectiva, referida principalmente às condições de vida e relações humanas outrora vividas, retratadas em 3 tópicos: abundância, solidariedade e sabedoria.
    Era fato alguns comentários entre os mais velhos e os mais moços que tiveram influência daqueles que viveram nessa época:
  • No tempo de Dante ou dos antigo era o próprio reino da fartura.
  • Medida para semear não era o alqueire, mas o dedal cheio de arroz que dava produção abundante pois era imensa a força da terra.
  • As colheitas eram tão grandes que nem se colhia tudo, deixava-se o milho no pé para alimentar os porcos e se esvaziava os paióis jogando fora o alimento no pasto par colocar a nova colheita.
  • Todos ajudavam por amor a Deus e ninguém passava aperto, aliás o povo passava metade do ano trabalhando e a outra metade caçando no mato.
  • Ninguém trabalhava alugado
  • Não havia aforante e nem colônio, era tempo das posse e todos tinham a sua terra.
  • Mas vieram os fazendeiros ricos e comprava barato as terras dos cuitadinhos, quando não tiravam eles a pau e a tiro.
  • Havia temor e respeito, os filhos obedeciam os pais, os moços aos velhos, os afilhados aos padrinhos e a todos a lei de Deus.
  • Era tempo dos padres santos, casavam e batizavam de graça, ensinava a rezar. O contrário dos padres de agora, gananciosos que fazem “roça” na igreja.
  • Hoje os filhos estuda muito, mas há 3 assuntos que ninguém dá volta: gente velha ficar moça, fazer o tempo voltar pra trás, dar força nova a terra que cada vez é mais fraca.
17.     As formas de persistência
    As conseqüências da incorporação da economia capitalista na vida do caipira paulista, são:
  • aumento da dependência econômica que o condiciona a novo ritmo de trabalho
  • reorganização ecológica, que transforma as relações com o meio e abre caminho para novos ajustes
  • alteração no equipamento material
  • alteração no sistema de crenças e valores
    Com isso aparecem novos papéis e posições sociais, configurando o parceiro como categoria econômica e tipo humano. Resultando em novos traços da personalidade, onde destaca-se certos comportamentos e representações denotadoras de tensão psíquica.
    Todas as vezes que os indivíduos e os grupos se encontram em presença de novos valores, propostos ao seu comportamento e à sua concepção do mundo, podem ocorrer 3 soluções:
  • os valores são rejeitados e os antigos mantidos na íntegra
  • os valores são aceitos em bloco e os antigos rejeitados
  • os valores antigos se combinam com os novos em proporções variáveis
    Com isso teremos as seguintes conseqüências:
  • enquistamento: formação de um núcleo isolado
  • desorganização
  • aculturação. Mistura de culturas
    A orientação do processo depende de uma série de fatores, tais como:
  • Tamanho do grupo
  • Duração e intensidade dos contatos
  • Utilidade dos traços propostos
  • ritmo que se dá a incorporação dos traços
    Aspectos para discussão sobre o meio de vida do caipira ligados diretamente ao seu aspecto econômico, fatores de preservação grupal que resistem ao impacto da urbanização:
  1. Apego do caipira as forma de parceria, chamadas compensadoras, representam uma tentativa de prolongar ou recriar a posição social de sitiante. O parceiro reluta pela perda da sua autonomia. Apegar-se a parceria significa preservar o próprio respeito, o conceito social e a possibilidade de manter a tradição da cultura.
  2. Insegurança da ocupação da terra leva a mudança de área, vai e vem de camaradas, colonos e parceiros. Isso implica, num ângulo sociológico, como uma preservação da cultura e da autonomia, onde buscam condições mais compatíveis com seus desejos de independência e conseqüentemente de preservação da cultura.
  3. Bloco familiar – determinavam as relações básicas, tais como , o mutirão, relações de vizinhança que dão assistência uns aos outros independente dos vínculos familiares. A mudança dos parceiros teria uma tendência a ficar próximo dos parentes para facilitar a ajuda mútua.
  4. Práticas de solidariedade da vizinhança integrando famílias ao grupo. Destaca-se a oferta de alimentos e obtenção de recursos para sobrevivência dando continuidade a preservação da cultura.
  5. Bairros – preservam-se relações e práticas no âmbito da vizinhança. Festas religiosas reúnem vários bairros mantendo a tradição e os bairros emprestam pessoas afamadas para outros para desenvolver práticas culturais que mantém a tradição: farinheiro, capelão, curador...
Conclusão
    A industrialização, a diferenciação agrícola, a extensão do crédito, a abertura do mercado interno ocasionaram uma nova e mais profunda revolução na estrutura social de São Paulo. Graças aos recursos modernos de comunicação, ao aumento da densidade demográfica e à generalização das necessidades complementares, acham-se agora frente a frente homens do campo e da cidade, sitiantes e fazendeiros, assalariados agrícolas e operários – bruscamente reaproximados o espaço geográfico e social, participando de um universo que desvenda dolorosamente as discrepâncias econômicas e culturais. Nesse diálogo, em que se empenham todas as vozes, a mais fraca e menos ouvida é certamente a do caipira que permanece no seu torrão.
    Em momentos como o nosso em que vemos a possibilidade de ação sobre a Natureza e a Sociedade aumentarem em número e eficiência, podemos realmente compreender, segundo Marx, que a
    “ cidade resulta da concentração de população, dos instrumentos de produção, do capital, dos gozos, das necessidades, enquanto o campo mostra justamente o caso contrário, o isolamento e a separação. A oposição entre campo e cidade só pode existir no quadro da propriedade privada. É a expressão mais grosseira da subordinação do indivíduo à divisão do trabalho e a uma determinada atividade que lhe é imposta. Subordinação que faz de um, um animal limitado da cidade; de outro, um animal limitado do campo, reproduzindo cada dia o conflito dos seus interesses.”
 Parte Complementar
  • Família caipira – patriarcal
  • Escolha do cônjuge – casamento é necessário para melhoria das condições de trabalho e de vida sexual, já que para os solteiros é proscrito celibato. Os filhos homens assumem iniciativa econômica na falta do pai, maior número de descendentes maior força para o trabalho. Devido a grande preconceito racial a cor pode ser requisito exigido.
  • Testes para reconhecer bom partido realizado pelo pai da noiva:
    • Primeiro o noivo não podia ser parente da noiva
    • Perguntas do padre:
      • Quando quebrar um cabo de enxada onde você arruma outro? Se ele respondesse vou no mato cortar, o padre dizia: onde já se viu perder um dia de trabalho por causa de um cabo de enxada? Você deve ter prontos em casa uns três ou quatro para o dia que precisar.
      • Quantas penas tem uma galinha? A resposta devia ser: As mesmas do homem: fome, sede e morte.
      • Quantos botões tem o casaco de Jesus? A resposta devia ser: Três: Fé, esperança e caridade.
    • Perguntas do pai da noiva:
      • Você sabe cortar embiruçu no mato?
      • Você sabe jogar o pau? Amarrava-se um posição vertical ao meio de uma corda bem esticada, desferindo um forte golpe na sua extremidade superior que imprimia um movimento forte de enrolar e desenrolar. O candidato devia manter-se bem ao alcance, sem arredar, executando os movimentos necessários para não ser atingido. Saindo-se bem o sogro via que era capaz de defender-se , que era esperto e dava-lhe a filha em casamento.
  • Corte e casamento – Antes era inexistente nas zonas rurais, não era admitido em hipótese alguma o namoro, tolerado hoje dentro de certo recato. Começa pelo “zóio” e muitas vezes passa daí para o noivado e casamento. Nos encontros ocasionais os jovens conversam e mantém distância. Nos bailes muitos pais não permitem a participação de suas filhas e quando obtêm essa permissão, elas não devem conversar com o companheiro. Freqüentar a casa da namorada é assunto sério, na fase de noivado os noivos não se tocam, mal se olham e quase não trocam palavras. O noivado dura 1 ano, para os pais mais severos o prazo é encurtado para meses, pois devido a situação de isolamento, os pais temem na antecipação dos direitos conjugais.
  • Vida conjugal e posição dos sexos – levando em conta os fatores psíquicos e sociais, aparentemente supõe-se que constituem ajustamento satisfatório, tanto para o homem quanto para a mulher. A mulher visa estabilidade e segurança apesar da vida de pena e sacrifício, compete todo o trabalho doméstico, fazer roupas, pilar cereais, fazer farinha, todas as atribuições culinárias, e ainda labutar ao lado do marido. O homem compete o trabalho da roça, para ele o casamento só traz vantagens havendo permissão de até algumas transgressões de caráter sexual. Nas viagens a vila, quando se tem apenas um cavalo, o marido vai montado e ela atrás carregando o filho menor. A formação de uniões novas e livres e aprovadas pela sociedade podem contribuir, segundo a tradição caipira, para a correção de desequilíbrios sócios culturais.
  • Nascimento e nome – A fecundidade das mulheres é grande, mortalidade infantil também grande, defende-se a idéia de que a lida agrícola requer braços e quanto maior uma família melhor poderá equilibrar-se a despeito do ônus representado pela infância. Os nomes dados são geralmente tradicionais: Antônio, João, José, geralmente vindo do padroeiro ou devoção local. Com a influência dos escoceses, irlandeses, alemães, ingleses e escandinavos os nomes recebem influências lingüísticas lembrados em: Enes que é “filho de João”, Antunes “filho de Antônio”, Pires “filho de Pedro”, etc... Geralmente se tinha dois nomes, um chamado de nome de papel usado para contratos, casamentos e assuntos legais e outro chamado de nome uso corrente: Nhô Quim – Joaquim Batista de Quevedo, Nhô Roque – Roque Antônio da Rocha, Roque Lameu – Roque Antônio da Rocha (bisavô Bartolomeu da Rocha – Berto Lameu).
  • Batizado e compadresco – passado o sétimo dia o recém-nascido é levado à luz do sol e é batizado com no máximo 15 a 20 dias. O batizado é um reconhecimento social e dando lugar ao estabelecimento de um dos mais importantes vínculos da tradição caipira que é o compadresco e subseqüente compadrio. Geralmente escolhem-se os avós, em seguida os tios para batizarem os primeiros filhos. Os padrinhos são em número de 3, 2 testemunhas – a madrinha de apresentar que carrega a criança. Os 3 são chamados de padrinhos e igualmente compadres dos pais. As obrigações do padrinhos são: dar a roupa do batizado; pagar a taxa da igreja, conduzir o batizando até a Vila, ida e volta; oferecer pinga ou cerveja ao pai, que nem sempre comparece. A mãe não comparece devido estar de resguardo (40 dias), a ausência do pai significa a confiança e entrega total. Após o batizado o tratamento é de compadre e comadre. Isso vincula uma vida social mais intensa, uma relação afetiva virtualmente contida, criando a possibilidade ou disposição para intercâmbios mais intensos de prestação de serviços e assistência mútua.
  • Pais e filhos – Educação – Os filhos se dirigiam aos pais de olhos baixos e devia obediência a vida toda. Antigamente os pais governavam os filhos pelo olhar e não havia necessidade de brutalidade. Havia o “Dia do ajuste de contas” era o sábado de aleluia onde todas as crianças que reinavam levavam umas sapecadas com varas untadas. Usavam-se o tratamento de pai e mãe e mecê – vossa mercê. Os filhos pediam a “benção” e os pais respondiam “louvado”. Atualmente castigam-se os filhos com severidade, e a tarefa cabe às mães; depois aos pais usando relhos, varas ou correias. As meninas apanham até o casamento e os meninos até começarem a ajudar na lavoura. A educação sexual é espontânea, meninos e meninas aprendem o essencial com os animais. A educação informal se deve ao acompanhamento dos filhos as atividades junto aos pais desde pequenos, observando técnicas agrícolas e artesanais, trato dos animais, conhecimentos empíricos de várias espécies, tradições, contos e código moral. No grupo estudado eram quase todos analfabetos pois não havia razão de deixar de auxiliar no trabalho para aprender a ler e escrever.
  • Instabilidade da estrutura familiar – O êxodo rural pode desorganizar violentamente as famílias de caipiras pobres. A urbanização do caipira que permanece na terra encontra na família um elemento de adaptação que permite aos indivíduos transitarem de um a outro sistema de padrões e manter a coesão necessária ao trabalho produtivo e à manutenção de um código moral.
    Seu livro contém uma proposta política: recuperar a voz dos "marginalizados da colonização" e defender a inclusão do caipira num mundo que se moderniza por meio da reforma agrária.
Referências
  • AGUIAR, C.M., Educação, Cultura e Criança, Ed. Papirus, Campinas-SP, 1994.
  • AGUIAR, C.M., Educação, Natureza e Cultura Um Modo de Ensinar, USP, 1998.
  • CANDIDO, A., Parceiros do Rio Bonito, Ed. 34, 1989.
  • Fotos de Wosley Torquato.